15.7.10

Radiohead - Hail To The Thief

A constatação desconsoladora de um mundo de cores cada vez mais sombrias e transbordando referências por todos os poros - como uma engrenagem psicodélica , indomável e onisciente - marca o regresso dos cabeças de rádio aos seios de um mundo doente.

Radiohead

Disco: Hail to the thief (2003)

O espaço onde – depois de passarmos pela porta da melodia – e entrarmos num universo de sensações moleculares pode ser vislumbrante e pertubador. Temos essa certeza já nos primeiros segundos de Hail To the Thief. Ao plugar da guitarra somos arremessados numa bolha indivizível  que vai crescendo aos poucos, nervosa - como o mundo em quem vivemos pós-11 de setembro - como o cotidiano e uma manhã qualquer. A matéria viva se dilata em dimensões inimagináveis, cada fragmento de esparros e soluços fogem do controle e da gravidade – essa há muito tempo subvertida pelo grupo de Thom Yorke e Jonny Greenwood – mentores de um som futurístico profundamente odisséico num lamaçal sintético visionarissimo e sobretudo urbano. Como aliens indefiníveis que passeiam pelas ruas com câmeras fotográficas - c0m olhos de crianças - para futuras análises não só do mundo mas de si mesmo. Cada metro quadrado do sexto rebento produzido pelos rapazes de Oxford respira a incerteza certeira que a máquina – O grande irmão de Orwel – como uma vírus – penetra nos poros dos nossos gestos quase involuntários e vai criando - como um embrião mutante - a esquizofrenia materialista  e ditando a  ordem dos passos dos pensamentos e fundido-se em nossas artérias engessando e domando a natureza instintiva e porque não imaterial e vívida de cada um em meio a estrutura erguida em suas 14 faixas definitivamente acima do padrão de Nigel Grodich - o mítico sexto membro do grupo.

Como disco Hail to the thief foi arremessado na categoria de álbum que reúne um pouco de cada uma das obras do grupo mas como disco, Hail to the thief concentra muito mais que um apanhado de referências próprias. Embarcações flutuantes para a lua e delírios de anjos desabando, tesouros inconfessáveis de raras melodias e fusões impensadas de jazz eletrônica e experimentalismos com assinatura própria, transforma o petardo num disco chave. Não só isso. As canções foram submetidas a intensas experiências sensoriais e ao calor e afago de um público sedento. Um disco de uma banda que arrisca rupturas rítmicas e calendoscópios espaciais, num verdadeiro artefato de percepções. A tarefa árdua é traduzir cada centímetro quadrado. E esse compartilhamento de informações entre artista e ouvinte deve ser paciente e juntar cada pedaço e montar o mapa dos sentidos requer aos desavisado e para fãs antigos que esperavam vida fácil (após os quebra cabeças Kid A e Amnesiac) um tempo de diluição mais paciente nas veias da sensibilidade. As referências passam pela literatura política de Orwel, Deleuze, Guy Debord à "krautrokces" nervosas de Neu e Kraft e pelos universo concretamente virtual de Four tet e o jazz alien de Alice Coltrane. Ouvimos mais uma vez  o tenebrosono instrumento eletrônico da década de 20 ( Ondes Martenot) despejando nevoeiros sobre a tela, os clássicos xilofones transformados em rádios transmissores emitindo mensagens secretas à outras galáxias, palmas ouvidas em outras dimensões, tambores ancetrais do futuro e linhas de baixos indecrifráveis montam e remontam uma obra inenarrável que agride com a passividade poeticamente inerte de Thom Yorke e  acalma como uma demente chapação subversiva entre arte e o cotidiano surreal não menos real e  nos perdemos em meio a indefinições auditivas atemporais.

 

Mesmo que não tenha agradado à banda – muito pela correria da gravaçao inconfessada em poucas semanas  e pelo número “exagerado” de faixas – um abuso de artistas exigentes e sempre insatisfeitos - o mundo pessimista e intimista se espalha em verdadeiros submundos erguidos nos becos e esquinas do tempo. (Thom Yorke) O ser atormantado é apenas o fio condutor que não conduz e sim é conduzido para as crateras do que poderia ter sido e jamais aconteceu -  Um mundo de cores mais consoladoras e um início de século esparançoso e linear? mas não. Respiramos o cansaço juvenil e o medo onírico do presente, como lobos devorando nossa própria infância nos sentimos constrangidos e renegados por nós mesmos e acreditamos que tudo continuará do mesmo jeito ou pior. Não, Hail to the thief não é um disco pessimista.  O mundo é a matéria prima – e mesmo que isso não seja feito para deixa-los felizes – pelo contrário certamente – a obra nasce dessa carcaça de sonho – desse bálsamo ácido - desse quadro tão íntimo e confuso que ao mesmo tempo riscamos - fazendo arte (?) e produzindo vida e que as cores já não fazem muito sentido e  haveria de ter?. Hail to the thief é o parto – expelido pela alma – do próprio mundo – cada elemento dele – célula sonora que divide-se em dimensões sensoriais se adaptando ao tempo e nós a ele – é a materialização hologrâmica – como um espelho turvo – de nós mesmos. Um obra que servirá como documento histórico do papel que a visão de um artista, sobre o  tempo em que viveu e como isso o atinge irreverssívelmente, pode definiar sua arte  e sua atemporalidade. Hail To the Thief é a prova - Definitiva - que estamos no tempo onde 2+2 é 5...

Mais um trabalho  do  quinteto para ser discutido interminavelmente pelas próximas gerações.

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Capa

Para ouvidos entorpecidos por: Radiohead, Faust, Four Tet

 

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3 comentários:

Thamires disse...

Adorei o seu texto...
eu amo essa performance de backdrifts é sensacional!

Anônimo disse...

+1 na Thamires

Lucano disse...

Também escrevi sobre este disco em meu blog, mas devo dizer que tenho uma voz mais imediata, falei mais sobre a obra em si; gostei de ler as considerações sobre como ela se situa no trajeto da banda, das considerações sobre a atemporalidade, há um distanciamento em sua análise extremamente benéfico. Belo texto!