24.8.12

Crítica: Lindstrøm - Six Cups of Rebel

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Por: Thiago Freitas via rraurl

 

Para começo de conversa, esse é um disco incrível. Hans-Peter Lindstrom, norueguês, dono de uma discografia extremamente sólida, tendo criado obras tão liquefeitas e contínuas quanto II (ao lado com o fiel escudeiro Prins Thomas) e tão classicamente populares quanto em sua parceria com a chanteusse Christabelle, esteve sempre à margem da grandeza, sem conseguir chegar ao Olimpo musical do reconhecimento irrestrito, aquele lugar reservado aos grandes heróis da música, os gênios loucos na fronteira, que nos levam além do lugar comum para viagens profundas e inéditas.


Não é por acaso que os grandes ícones da música mundial são encarnados por grandes virtuosos. Não costumamos amar o guitarrista extremamente contido e preciso, mas sim o flamejante e criativo. Não se ovaciona o cantor com a menor taxa de deslizes tonais ou maior alcance; amamos o que canta de forma mais única, que expressa de forma mais visceral. Não nos encanta o mediano, mas sim o sobre-humano, aquele que nos permite projetar todas as possibilidades da existência.


E é exatamente isso que encontramos no segundo disco de Lindstrøm. Traçando um paralelo histórico um tanto quanto longínquo e forçado, o efeito ao ouvir o disco é análogo a sensação de desconserto e assombro que deve ter causado a "Sagração da Primavera", de Igor Stravinsky. A música clássica, com todos seus elementos característicos revirados, pendurados de cabeça pra baixo, pintados em cores fortes, amontoados, criando esculturas sonoras expressionistas. É o tipo de coisa que não dá pra passar incólume. Te afeta.
Talvez o que segurasse Lindstrøm fosse ainda um certo apego ao tal space disco. Ele é amplamente reconhecido como o cara mais emblemático do gênero, e por algum tempo isso pode ter sido bom para sua carreira. Mas a marca do grande artista, do gênio, é a subversão. Não só ao que acontece ao seu redor, mas até de si mesmo. Ele subverteu a sua própria forma de trabalhar e foi atrás da música em estado bruto, montando com seu repertório as quilhas que estabilizam sua navegação nesse mar aberto de possibilides.


Com todo esse virtuosismo e abrangência, Six Cups of Rebel se posiciona com importância também no panorama musical de 2012. O mundo da música, mais específicamente a eletrônica, tende ao formulaico. A figura do DJ é responsável por isso, de certa forma. Produtores e compositores não pensam somente no "usuário" final da música, mas também no intermediário. Como a esmagadora maioria dos DJs (dos caseiros aos "top djs") tende a focar seu repertório em uma única fatia do espectro musical, muitos produtores acabam por facilitar o trabalho de quem divulga suas músicas, entrando em fórmulas prontas que vão colocar suas faixas em charts, sets, mixtapes, enfim... na boca do povo.


Em 2012, esse engessamento do pensamento na música eletrônica chegou a um dos pontos mais críticos de muitos anos. O eterno loop de afirmação <-> negação (minimal <-> maximal) é uma má ideia. A repetição de temas já desgastados, como house e techno, não leva a nenhum lugar novo. Os revivals dão pano pra manga por um certo tempo; de dois em dois anos, muda-se o baú revirado, e mais uma batelada de lançamentos com cheirinho de pó. O dubstep começa o seu processo de autofagia, se mastigando e regurgitando belos momentos, mas quanto mais mastigado, mais debilitado. Não é dizer que não haja bons lançamentos dentro de suas "gavetas". Mas as revoluções acontecem dentro de um universo finito e o "big picture" em nada se altera.
Nesse sentido, o momento da música eletrônica de hoje é muito similar ao momento vivido na década de setenta por virtuosos como Chic Corea, Stanley Clarke, John Mclaughlin, Herbie Hancock e até mesmo Miles Davis. Na época, havia muita gente muito boa em seus estilos, mas que simplesmente não faziam a música andar para frente. O fusion, uma mistura de influências diversas sob uma base conceitual e estilística (o jazz), mostrou músicos extremamente proficientes levando a música às suas últimas consequências, mergulhando de cabeça no caldeirão ácido e tentando voltar pra contar alguma coisa.


É exatamente isso que Hans-Peter Lindstrom faz em Six Cups of Rebel, pegando todas suas influências e trabalhando de forma extremamente habilidosa em cima do framework seguro das batidas 4x4 (e quando não 4x4, ao menos em um ritmo constante, pulsante). Todos os elementos que compuseram até hoje sua discografia (a disco music, o funk, as experimentações sintetizadas, a sensibilidade harmônica, o gancho) aparecem em Six Cups of Rebel de forma amplificada, exploradas ao máximo. Pegue "De Javu": a faixa tem o baixo galopante e o swing característico de todas as suas produções, mas vai muito mais além, com trabalhos vocais curiosos, efeitos extremamente amalucados, um interlúdio de acordes, transposição de tons... enfim, um desbunde de composição.
Utilizando essa estrutura reconhecível mas amplificada, o cara cria músicas labirínticas, furiosas, cheias de sangue correndo das veias. A faixa "Magik" talvez seja o maior exemplo disso. Uma estrutura completamente inusitada, diversas passagens diferentes com climas distintos, tudo operado de forma magistral e harmonicamente fora de série pelas mãozinhas do produtor norueguês. E tudo isso com um bom-humor e ironia que caracteriza quem está voando acima das nuvens. Nesse sentido, o disco deixa a frieza nórdica de lado e se aproxima do bom humor dos funkeiros americanos de responsa. É uma outra dica de que talvez Lindstrøm esteja mesmo pesquisando a música progressiva norte-americana da metade dos anos 70.


O segundo disco da carreira de Lindström nos faz acreditar novamente na música. Abstrações e reducionismos, criações de fórmulas e elaborações conceituais. Tudo isso pode até ser muito legal em algum momento, mas a música nua e crua, voráz e desempedida de elocubrações é o motivo que nos fez gostar de música em primeiro lugar. Pessoas que esmerilhavam guitarras e faziam solos muito doidos. Hans-Peter Lindstrøm entrou em ebulição neste disco de tal forma que, por vezes, é até difícil acompanhá-lo. Volto a bater na tecla: ninguém se lembra do guitarrista que estava fazendo a base, só do que estava fazendo o solo. Só música rebelde e provocativa, como a apresentada por Lindstrøm neste disco, entra para a história. Pena que, talvez como o Return to Forever ou o Mahavishnu Orchestra (bandas que entraram para a história por seu arrojo e proeza), esse disco fique limitado a um secto pequeno de seguidores.

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