10.12.10

Radiohead Paris 2001

Por: João Leno Lima

 

 ARTE BRUTAL COMO MANIFESTO ÚNICO

 

Uma das grandes provas viscerais da genialidade de uma banda é quando ela consegue transportar, digo, ser tão fundamental no palco como é em estúdio. Recriar um disco ao vivo não é tarefa fácil e o facilitismo entre apenas se “auto” coverizar é muito atraente quando o conservadorismo (show para fãs) assume o posto da ousadia.

 

Outro Ponto. Quantas bandas conseguem cravar dois grandes discos numa década, sendo um deles considerado quase por unanimidade como um dos melhores disco de todos os tempos e ainda provoca alvoroço dois discos depois e iniciar o século com uma das obras mais discutidas da música contemporânea e apesar de tudo isso é capaz de ter apenas um DVD oficial, um documentário cabeçudo  e uma pequena (7 músicas) compilação de canções ao vivo?. Muitas Bandas tem a tão pouca batuta e mesmo assim enchem fãs de DVDs, Best ofs diversos que afastam seu público da gama, da matéria prima de seus discos.

 

Em 2001 os Radiohead levam a Paris um espetáculo único. Único onde o que interesse nã0 são os telões megalomaníacos, não é a camisa do Zidane ou os closes-ups profissionais o que  interessa é a música. Sim, esse artefato entorpecente inigualável e em se tratando dos rapazes de Oxford, isso pode ser inesquecível.

 

A banda aterrissa em Paris com dois discos conceituais que deram nós em muitos fãs. Kid A (2000) e amnesiac (2001) são peças de genialidade que se não agrada quem prefere guitarras, provoca apaixonadas discussões sobre conceitos musicais e posturas. E foi nesse sentido que eles recriaram no palco duas de suas mais notáveis criações.

Para quem acompanha a banda de fake Plastic (em the bends) Karma Police (de Ok Computer), além é claro de Creep (do debut Pablo Honey) e levou um susto com os discos gêmeos, pode perceber mais que do que nunca que se tratam de discos orgânicos executados com precisão e detalhes típicos da inorganicidade de discos sintético (ou como muitos ainda insistem a atestar discos eletrônicos).

 

Mas a referencia jazz mistura-se a parafernália (como espaçonaves sobre o palco) montados por Jonny e Ed e canções que pareciam impossíveis ou inviáveis ao vivo se transformarem em manifestos irretocáveis como a monstruosa Packt Like Sardines In A Crushed Tin Box onde a guitarra de Jonny parece possuída por sintéticas formas de linguagens vindas de outros planetas.   Momento raro também pontua o petardo The National Anthen onde o baixo do Colin parece pesar uma tonelada. A dobradinha I Might Be Wrong e Knives Out entorpece os vasos sanguíneos da alma, na primeira, Yorke parece possuído por alguma força extra terrestre e debate-se num pandeiro mágico dilacerado pelos Riffs Cyborgs de Jonny. Na segunda, o violão de Thom cria base para Jonny desenhar longos tratados poéticos em forma de dedilhados.  Ed destroe o ambiente com um riff desmoronante em Dollars And. cents. O clássico jazz embriagado do Amnesiac ganha teores dramáticos, onde a banda aparece estar fora da via láctea e mostra que o poder orgânico do Amnesiac.

 

já em How To Desappear completely (disparada com uma das canções mais arrebatadoras da nossa geração) é apresentada de forma singular com uma orquestra de Ondas Martenot ensurdecendo um Yorke perdido no litoral de si mesmo com seu violão solitário. Pyramid Song não fica atrás e mergulhamos nos oceanos criados para nos ensopar com os Ondas Martenot onírico. You And. army? mostra a genialidade de síntese da banda. Colin gira em acordes circulares enquanto Jonny frasea a canção com notas-gotas que choca-se no rosto de um Yorke vertiginoso e tudo deságua em múltiplas camadas pelas oito circuitos da nossa mente.

 

Idioteque restaura a lisergia nervosa e da movimento acelerado ao ciberespaço onde Thom sobe pelas paredes da melodia entrecortada pela bateria marciana de Phil Selway. In Limbo mostra porque é uma das canções mais alien de Kid A, seu jazz enrosca-se com as teclas minimais de Ed enquanto Jonny mina o espaço com antídotos de devaneios psicodélicos em compassos futurísticos. Everything Right Place aterrissa com seus desdobramentos onde Jonny captura a distorce a voz do Yorke e como um exorcista robóticos extrai os mais alucinantes fantasmas da voz enquanto Ed (sentado do outro lado do palco) vai desmontando os acordes e criando pequenos monólitos minimalistas, uma verdadeira performance ao vivo de arte bruta e  genialidade.

 

Tudo encerra-se com a melancolia transcendental de Motion Picture Soundtrack, uma das mais emblemáticas canções de Kid A, suas harpas ilusórias, reflexão da própria desilusão desencantada do mundo atual, permeia um Yorke solitário, em tom grave, uma melodia carregada de significância extrema, visceralmente cortante em nossos sentidos entre pequenas imagens daquilo que nos tornamos, pós -sonhadores de um mundo que não encanta mais e pior que isso que agride e distorce o lado mais fundamental na existência humana, sua plenitude.

 

Kid A/Amnesiac em Paris 2001 poderia ser um super. DVD ao vivo mas é um momento raro, documento de que em nosso tempo cinco amigos mostraram ao mundo que fazer música é mais que um negocio ou deslocamento de egos, que ao vivo uma banda consegue ser urgente e mais rica ainda que seus aparatos de estúdio, não apenas pela energia contagiante mas pela arte ali, sendo trabalhada na hora, como artesões melódicos tomados até a borda do desejo de viajar até a mais profunda sensação de sonho humano.

Mas uma mostra incontestável do poder da música em todas as suas esferas.

1 comentários:

Thamires disse...

ahhhhhhhhhh Perfeita a resenha!!
Abordou tudo, as descrições das musicas estão sensacionais...
como sempre né...