4.8.10

Radiohead – The Bends

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Radiohead

Disco: The Bends (1995)

Amigos imaginários povoam nossas vidas desdos tempos de infância e preenche nosso mundo com o universo único do sonho. Depois crescemos, adquirimos a responsabilidade e os pesos do mundo e algumas coisas se perdem, mas outras permanecem intactas sobre outras formas. Papel fundamental da arte e uma das suas vocações. Espreguiça-se dentro de nós, empurrando a inércia para o lado de fora, trazendo luz aos sentimentos e desatrelando nós de qualquer vazio. Mesmo que essa seja espelho do próprio artista e de sua obra mesmo que essa seja vasta e infinita. E esse papel de "amigo imaginário" é o papel que The Bends tem pra mim. Do primeiro e crucial mergulho até o âmago do que somos e ao avançar da profundidade a certeza...

Quem somos?

Um vento surge dos meandros do silêncio e se fragmenta em pequenos organismos que aos poucos vão reconhecendo um o outro e formando a textura de "Planet Telex". As distorções da guitarra misturam-se ao sublime canto desolador de Thom. Ele dobra-se, espreme-se pelos compartimentos de uma canção urgente e sublime não menos de alma quebrada. Se o mergulho está cada vez mais fundo, a faixa-título "The Bends" é o atestado de alguém perdido nas próprias poças imensas da profundidade. Para onde iremos? Canção irretocável. Texturas de guitarras estremecem vocais trovadores e tudo se acalma num violão desencarnado. O pessimismo toma conta até das mais sensíveis das verdades e a canção se eterniza erguendo a constatação de um abismo.

Se a urgência de uma alma febril pontua a textura das duas primeiras canções, Phil Selway pede calma e abre a sublime "High and Dry". O violão “Automatic for peopleano” pontua uma das mais belas canções da nossa geração. A certeza que estamos indo cada vez mais fundo e pior do que nunca e que isso parece sem volta. Não só não conseguimos mais controlar as coisas como elas controlaram e moldam o que almejávamos ser. O que almejávamos? ao olhar para trás o silêncio seria a melhor das respostas.

E depois de sentarmos num canto contemplamos a efemidade e a passagem das horas sob a dilacedora melodia pontiaguda de "fake Plastic Treens". Se as cores começam a desbotar e já não temos mais certeza do caminho, tudo começa a ruir e o sentido é deixado em alguma esquina. O violão rasga a pele da canção, Sem dúvida uma das mais belas de todos os tempos.

Sentimos isso nos ossos e até quando disfarçaremos? "Bones" é áspera e aponta em nossa cara. Escancara no meio da multidão dos nossos sentidos o desconhecido que nos tornamos e agride a ferida num ato desesperador de mescla de medo e otimismo encarnado. Quando vamos voltar a sentir? As guitarras erguem as paredes para depois desabá-las. E nós, Peter pans envelhecidos despencamos na cama em lágrimas e soluços.

Ainda temos força para um sonho bom? "Nice Dream" é a própria beleza radiohediana em forma de esperança desolada em algum horizonte sem horizonte. O violão choca-se com pequenas construções de piano e solo erguendo uma nuvem acima das nossas cabeças. Se olharmos bem, são os sonhos bons que nos movem além de nós mesmo.

A queda contínua, apos um momentâneo esquecimento é retomada na dissonantemente instigante "Just". O violão é soterrado pelos braços de guitarras que transbordam por todos os poros. Canção amarga que te joga pelas goelas e vamos capotando em solo desconcertante e vocal que te olha nos olhos, antes de te vomitar.

O mergulho parece deixar dormente até a alma mais perturbada e isso é descrito no hino "My Iron Lung". O diálogo entre as guitarras parece verdadeiras óperas ouvidas no fundo do oceano. A fé que abandona a falta até da própria dor, a ânsia para não cair nos sonos das meras lamentações juvenis e ali ficar, como alguém que sucumbe na própria poça de sangue permeia o pulmão de ferro da melodia.

Mistura de aspereza e sublimidade que deságua nos recifes e plana ao lado das algas de "Bullet Proof..I Wish I Was".

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O violão de volta a ordem vaga pelas embarcações das nossas memórias e olhamos apenas o movimento das coisas que vão e vem... Disposto a sentir até as útimas conseqüências, até o último suspiro, disposto a voltar, mesmo que para isso haja dor, voltar, voltar a sentir a si mesmo. E isso se entrelaça numa canção rara.

Se nosso mergulho íntimo é invisível aos olhos do mundo "Black star" surge de um crescente silêncio e como alguém devorado por mil ratos por dentro e todo colado por fora se perde em contemplações e sem poder explicar realmente os acontecimentos exaspera-se em desculpas que lembram os grandes poetas malditos e suas incompreensíveis e líricas verdades atemporais e dramaticas. E essas verdades formam e moldam aquilo que somos mesmo sendo apenas e, sobretudo para nós mesmos.

E essa espécie de constatação daquilo que não volta mais, se forma na beleza dramática de "Sulk" e se dilata como uma ferida exposta na última obra prima da obra. "street spirit". A dedilhação toca as mãos dos anjos da melodia e o vocal se encarrega de nos fazer voar nas imensidões de volta do mar, intenso e imenso mar do que acreditamos que somos. Para Yorke uma canção que o atinge e o consome e se formos pensar bem... Como ela nos atinge! A volta das profundidades mais inconfessáveis revela confissões silenciosas. O mundo. Como traduzir o mundo? Nós? Sonhadores? Toda a dor vem do desejo de não sentirmos dor realmente? Todas as coisas que nos fazem desaparecer, todas as coisas posicionadas, tudo no seu devido lugar? Como desaparecer completamente? Arvores de plásticos? Num limbo? Flutuando para a Lua? Num rio de olhos negros?...Somos os espíritos das ruas. Das ruas de nós mesmo e do mundo. E para onde correr? A última mensagem dessa obra de arte chamada de The Bends - segunda obra desses meninos e sua primeira obra inesquecível é -

…Afunde sua alma em amor...

E nós, silenciamos com as lágrimas do sentir. A verdadeira razão desse disco, sentir!

Até a última gota de cada segundo... Sentir!

Como diz o poeta Fernando Pessoa:

“Sentir tudo Interminavelmente”.

Então voltemos e mergulhamos de novo e sempre à esse amigo imaginário – aquele que te ouve e te entende em forma disco.

Doze manisfestos que permanecem intocáveis em nossos corações.

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Para ouvidos entorpecidos por: R.e.m, Joy Division, Jeff Buckley

1 comentários:

ruth disse...

Bem linda essa resenha,Leno, apaixonante, parabéns!