11.6.10

Crítica/Krautrock

 

Mas o que é Krautrock? A terminologia foi criada pelos ingleses no início dos anos 70. O objetivo era reunir várias bandas com sonoridades inusitadas e convulsivas. Antes da primeira invasão inglesa, tais grupos já haviam traçado suas diretrizes em meio à efervescência do flower power.
Já o fanzine Metamúsica, em sua 7ª edição, conta o seguinte a respeito da origem do termo Krautrock:
"Na segunda guerra os americanos começam a criar apelidos para designar os aliados e inimigos, normalmente comparando-os (pejorativamente) com legumes, frutas, verduras, etc. Os alemães foram batizados com o termo "couve-flor".
Demonstrando um senso de humor acima da média, Manuel Göttsching (guitarrista, integrante da banda alemã Ash Ra Tempel) criou o termo "Rock Couve-Flor" para designar o estranho som que eles estavam fazendo no início dos anos 70 na Alemanha. Como uma das designações de couve-flor em alemão é Kraut, estava criado o termo Krautrock. Esta pelo menos é uma das versões que nós podemos concluir."

O guitarrista Manuel Göttsching

O mesmo Metamúsica, dessa vez em sua 6ª edição, relata que o termo krautrock (o legítimo "rock alemão") foi criado pelo tecladista Konrad Schnitzler para definir um novo tipo de "música rock", possuidor das características rítmicas e instrumentais básicas do Hard inglês e americano, mas dotado de características Progressivas e inéditas até então. Essas características variavam desde climas "cósmicos" e "viajantes" executados pelos sintetizadores, até as mais inusitadas e esquizofrênicas experimentações sonoras, incluindo toda uma série de vocalizações (recitadas, sussurradas, gritadas, enlouquecidas...). (nota do site: vê-se que a psicodelia estava muito presente na proposta desse movimento.)
Enquanto os americanos pregavam o paz-e-amor e tinham nas melodias e nas viagens de guitarras os alicerces das mensagens, o som dos alemães nascia da culpabilidade do nazismo e do weltschmerz (as dores do mundo). Eles, filhos de nazistas, tinham que se livrar do câncer instalado em sua própria cultura - destroçada pela guerra e incapaz de ser reconstruída.
A reconstrução foi feita na base da desconstrução, resultando daí o rock desconstrutivista adornado por performers como Otto Muehl (que acariciava animais recém-estripados) e Rudolf Schwarzkogler (especialista em auto-mutilação como forma de protesto) e pelos grupos Can, Faust, Tangerine Dream, Kraftwerk e Amon Dull.
Em 1969, foram lançadas quatro obras históricas, fundamentais para a compreensão do movimento: Psychedelic Underground e Kollapsing do Amon Duul, Phallus Dei do Amon Duul II e Birth Control do Birth Control.

Amon Düül, talvez o mais enlouquecido grupo 
a lançar um disco em toda história.

As bandas buscavam alianças com a música étnica, concretismo, atonalismo, minimalismo, serialismo, dodecafonismo, jazz e libertárias formas de som que escapassem do consumado. Não faltaram discípulos, caroneiros e companheiros como Guru Guru, Embryo, Neu!, Triumvirat, Karthago, Eloy e muitos outros. Foi a partir destes - no período de 1974 a 76 - que o Krautrock viveu seu apogeu. A boa fase chegou até mesmo ao Brasil, quando muitos dos grupos citados foram lançados por um selo que tinha a tarja "Sábado Som" (nome inclusive de um programa musical da TV brasileira nos anos 70).
Talvez foi nesse cadinho da música dita "planante" que é a Alemanha que o rock juntou-se à música contemporânea eletroacústica de maneira mais intensa, graças à difusão dos sintetizadores. Essa música, que ora evoca os espaços siderais ora a sensação que se experimenta depois de se haver abusado ligeiramente do haxixe, foi concebida sob a batuta do Tangerine Dream, do Popol Vuh e de Klaus Schulze. Vale informar que o tecladista Irmin Schmidt e o baixista Holger Czukay, ambos do Can, foram alunos de Karlheinz Stockhausen, compositor alemão que já fazia experimentos com a eletrônica e que imprimia às suas criações um certo misticismo. Algumas dessas bandas, como Kraftwerk, Faust e Can utilizaram a eletrônica de maneira mais agressiva, prefigurando a "música industrial".
Jeferson Araújo Pereira, em seu livro As Obras-Primas do Rock Progressivo, escreveu sobre o Kraftwerk:
"Nessas cinco décadas de história do rock, presenciamos o domínio absoluto de músicos/grupos norte-americanos e ingleses. O rock dos E.U.A. influenciando o rock inglês e vice-versa. Não me lembro de nenhum grupo espanhol, francês, dinamarquês, mexicano ou brasileiro que tenha influenciado o rock inglês ou norte-americano. O grupo alemão Kraftwerk é a única exceção.
Posso afirmar, com 100% de certeza, que o Kraftwerk é o único grupo responsável pela cena tecnopop dos anos oitenta. Um grupo alemão influenciando grupos ingleses. Fato inédito na história do rock.
Na verdade o Kraftwerk influenciou, inicialmente, a "fase Berlim" de David Bowie, ou seja, os discos Low (1977), Heroes (1977) e Lodger (1979). Além do David Bowie, todos esses grupos e músicos foram influenciados pelo Kraftwerk: Depeche Mode, Soft Cell, Ultravox, Human League, Japan, Heaven 17, Yazoo, Gary Numan e Thomas Dolby." (nota do site: ...entre muitos outros...)
Características da vertente eletrônica do Krautrock do início dos anos 70, nas palavras do Metamúsica, novamente em sua 6ª edição: "experiências envolvendo a sustentação do som com auxílio dos sintetizadores, a pesquisa de timbres incomuns, o envolvimento com a cultura musical e religiosa oriental, o minimalismo e uma proposta revolucionária interior." Alguns músicos new age que se utilizam de instrumentos eletrônicos seguem a mesma linha, porém sua proposta e visão espiritual é mais pura e legítima, visto que muitos grupos tedescos daquela época utilizavam-se de auxílio químico para construir as "viajantes" ambiências.
Enquanto Keith Emerson e Rick Wakeman brincavam de pilhar fugas, tocatas e sonatas, formas musicais praticadas nos séculos XVII, XVIII e XIX, os alemães (particularmente no que tange ao krautrock/progressivo eletrônico) faziam contato com uma "tradição" mais recente. Sintetizadores, gravadores e mesas de mixagem eram fuçados em continuidade direta à pesquisa que músicos como Edgar Varèse, Pierre Schaeffer, John Cage e Karlheinz Stockhausen vinham desenvolvendo há duas, três décadas. Elementos-chave: a soberania do timbre sobre a melodia e a construção de ritmos pela edição de fitas na gilete mesmo.
Colocado no mesmo saco com os ingleses Henry Cow (principal representante do movimento -de esquerda- Rock in Oposition) e os franceses Gong (elementos espaciais, jazzísticos, psicodélicos e as mais variadas influências), algumas dessas bandas eram vistas, na época, como uma espécie de "lado escuro" do progressivo - esquisitas demais para serem levadas a sério, barulhentas demais para serem consideradas "arte".
A redescoberta do Krautrock começou com a aparição, há alguns anos, das enciclopédias Cosmic Dreams At Play e A Crack In The Cosmic Egg, além do livro Krautrock-Sampler de Julian Cope. Houve também o lançamento de Sacrilege - The Can Remix Album, tributo à base de remixagens das músicas do grupo alemão Can, pioneiro do experimentalismo eletrônico, feitas por James Lavelle, System 7, The Orb, Brian Eno, Sonic Youth e outros, pela gravadora inglesa Mute Records.
Em uma entrevista concedida pelos membros do Can, quando do lançamento do tributo, o baterista Jaki Liebezeit disse que "o legado alemão merece ser revisitado porque é atemporal." Entre suas memórias, Jaki disse guardar "lugar especial" para "antigos amigos como o Kraftwerk" com quem fizeram muitos experimentos nos anos 60 que nunca foram lançados. Os músicos elogiaram a importância do Neu! que, segundo Jaki, "são os melhores filhotes do Kraftwerk" e lamentaram que o Amon Dull "tenha se dividido em duas facções, deixando para trás o que poderia ter sido o ápice do experimentalismo psicodélico."

Fora as bandas em si, obviamente, outro importante nome dentro do movimento progressivo krautrock alemão é o do engenheiro de som e produtor Conny Plank, que trabalhou com grupos diversos como Kraftwerk, Kraan, Arktis, McChurch Soundroom, Grobschnitt, Jane, entre outros.
Há exemplos de bandas alemãs que começaram influenciadas por ou copiando modelos (ingleses), como é o caso do Tangerine Dream (que foi formado como banda de rock'n'roll a la Beatles), Eloy (criado como banda de Hard, estilo Black Sabath e Deep Purple) e Kraftwerk (em português Usina de Força, e que, em seus primórdios, iniciou influenciado pelo space sound do Pink Floyd).
O estilo de vários grupos deste país caracteriza-se por uma mistura meio paranóica de diversas correntes, que acaba gerando uma música que no primeiro momento parece estranha, mas que acaba capturando o ouvinte pela singularidade e pela riqueza de variações, que apesar disso, não soa descontínua, ao contrário, procura dar aquela sensação de viagem cósmica, que só os grupos alemães conseguiram.
O Progressivo tipicamente alemão distingui-se por doses exatas de peso, melodia, lirismo e esquisitice.
É interessante indicar ainda um elemento encontrado em dois discos alemães, particularmente: Mythos (1972), do grupo homônimo; e Grobschnitt (1972), do grupo de mesmo nome. No primeiro, encontram-se efeitos sonoros que simulam marchas militares, baterias e alarmes anti-aéreos - "influenciados pelos traumas de guerra, tão vivenciados por aquele povo" - em contraste com sinos de igreja e canto de pássaros; no segundo, na faixa Sun Trip, também há sons bélicos, como o cair de bombas, metralhadoras, gritos dos combatentes e outros. Não sei se outras bandas fizeram o mesmo.
Fora da Alemanha também houve casos de bandas que fizeram um som semelhante ao do movimento krautrock alemão, por lançarem mão do experimentalismo e da eletrônica. Apesar de não serem alemãs, há quem as classifique também como krautrock pelo fato das suas características serem as mesmas dos teutônicos. Um exemplo é o grupo avant-garde francês Lard Free, liderado pelo baterista Gilbert Altman e que misturava free-jazz e eletrônica.
Voltemos ao fanzine Metamúsica, que em sua 2ª edição, aponta outra característica do rock progressivo alemão, ao comentar que "os vocalistas alemães merecem uma análise à parte, pois provavelmente em nenhum outro país existe tanta identificação da parte vocal com a instrumental." E continua: "Não podemos dizer se é uma coincidência ou se realmente existiu, nos diversos casos, esta preocupação. A verdade é que não passa desapercebido esta simbiose que resulta sempre em um som extremamente agradável. Ouçam por exemplo Herbert Natho do RAMSES, Detlef Job e Heino Schünzel do NOVALIS, Thomas Schmit e Rudolf Schön do PELL MELL, Harald Bareth do ANYONE'S DAUGHTER, Stefan Danielak do GROBSCHNIT e Frank Bornemann do ELOY."
A Escola Alemã de Hard-Progressivo, subgênero que você encontrará listado mais abaixo e que também foi praticado pelas bandas de Progressivo Tradicional e Sinfônico, possui como elementos uma guitarra viajante, complementada por um teclado simples, porém excelentemente bem colocado. É aí que entra outro caso de banda não alemã e também considerada como krautrock por algumas pessoas: é o grupo austríaco Paternoster que era, entretanto, originário de um país também de língua alemã.
O fato do Paternoster, grupo austríaco, ser considerado uma banda pertencente ao movimento progressivo germânico talvez seja porque esta tocava no mesmo estilo dos alemães. Talvez também deve-se ao fato de Áustria e Alemanha falarem a mesma língua (oficial), o alemão, e serem países que fazem fronteira um com o outro, o que faz com que alguns vejam a Áustria como um prolongamento ou continuação da Alemanha. O mesmo ocorre com o Canadá em relação aos Estados Unidos.
O Carlos Alberto Vaz Ferreira, do site Progressive Rock and Progressive Metal me enviou, certa vez, um e-mail contando que, na Alemanha, em cidades mais tradicionalistas, você não pode entrar numa loja perguntando por discos de krautrock, ou seja, não se pode usar este termo nesses lugares, porque é um tanto perigoso.

Das experiências eletrônicas e mais vanguardistas dos músicos alemães, surgiu um som batizado de música cósmica, que logo resultaria em trabalhos sintetizados mais intimistas, contemplativos e pessoais de artistas como Vangelis, Kitaro, Enya, Yanni, Jarre, Tomita, Gandalf, Constance Demby, entre outros, a ala mais importante e mais conhecida de um gênero que, nos anos 80, foi rotulado new age music, mas que não deixa de ser também, em alguns casos e antes de mais nada, puro progressivo eletrônico, em sua maior parte instrumental. Para alguns, essa música foi fruto de um cruzamento entre o krautrock e o space rock praticado pelos grupos Pink Floyd, Gong e Hawkwind. Kitaro trocou a guitarra pelos teclados e sintetizadores após conhecer o ex-Tangerine Dream Klaus Schulze, cuja obra solo também é denominada new age por certos ouvintes. O músico japonês voltou a tocar guitarra no disco Mandala. Existem controvérsias acerca do que é progressivo eletrônico e o que é new age, mas eu penso que as pessoas devem apenas ouvir o que agrada aos seus ouvidos e atentar à qualidade, ao invés de levar esses rótulos tão a sério.


As bandas progressivas alemãs -as mais experimentalistas dentro do movimento, motivo pelo qual lhes foi conferida a denominação krautrock- são pouco conhecidas do grande público (ouvintes antigos e novos) que ouve Rock Progressivo (a maioria cita, no máximo, estes oito nomes a seguir, raramente com alguma variação: Eloy, Nektar, Triumvirat, Amon Duul, Tangerine Dream, Kraftwerk, Klaus Schulze e Popul Vuh), portanto foram listados abaixo alguns exemplos dentro de cada sub-estilo existente dentro do Progressivo. O Krautrock, por sua vez, também já é um sub-estilo a parte no panorama do universo progressivo.


Rock Progressivo Tradicional: Eloy, Jane, Grobschnitt, Nektar, Triumvirat, Wallenstein (primeiro disco, Blitzkrieg), Ramses, Hoelderlin;
Progressivo Sinfônico: Pell Mell, Wallenstein, Novalis, Electra, Stern-Combo Meissen;
Folk Progressivo: Emtidi, Ougenweide, Hoelderlin, Broselmachine, Gila;
Hard Progressivo: Amon Duul, Guru Guru, Birth Control, Message, Pancake;
Progressivo Eletrônico: Tangerine Dream, Kraftwerk, Cluster (anteriormente Kluster, o primeiro grupo realmente "eletrônico"), Klaus Schulze, Ash Ra Tempel, Cosmic Jokers, Software, Neu;
Progressivo Experimental: Amon Duul, Floh de Cologne, Can, Anexus Quam, Guru Guru, Agitation Free, Mythos, Tritonus;
Jazz Progressivo: Passport, Embryo, Emergency;
New Age: Popol Vuh, Between, Deuter, Yatha Sidra, Eberhard Schoener.


Metamúsica, edição nº2, faz uma espécie de resumo dos mais importantes sub-estilos no RP alemão:


"Pode-se dizer que o RP alemão possui três vertentes principais:
a primeira, de influências hard, possui grupos como o FRUMPY, SAHARA, NEKTAR, etc.
A segunda é a eletrônica, que tem no TANGERINE DREAM a expressão máxima, mas que conta também com nomes de peso como o POPOL VUH, KRAFTWERK, ASHRA TEMPEL e outros.
A terceira poderíamos chamar de tendências melódicas, fazendo um paralelo com os grupos italianos. Com influências da música erudita e do folclore alemão, esta "linhagem" se destaca pela qualidade e possui várias bandas muito respeitadas, entre elas, ANYONE'S DAUGHTER, NOVALIS, WALLENSTEIN, EPIDAURUS e RAMSES".


Nektar, banda formada por músicos ingleses que passou boa parte de sua carreira na Alemanha e cujo estilo está totalmente enquadrado nos padrões do krautrock, mesclando passagens Hard (pesadas), com outras totalmente cósmicas e experimentais.

    Texto escrito e organizado por Ériston Silva Melo
    Fontes:

  • artigo "Reconstrução Européia", de autoria de Fernando Naporano, publicado no Correio Braziliense em 1997
  • Pequena História do rock'n'roll, de autoria de Thierry Chatain, pág.1118, na História da Música Ocidental, de Jean & Brigitte Massin, Editora Nova Fronteira
  • revista Bizz nº27, outubro de 1987, pág.73: artigo "Cabaret Voltaire - Sete Décadas de Sonoplastia e Terrorismo", sobre a dupla eletrônica Cabaret Voltaire
  • As Obras-Primas do Rock Progressivo, de Jeferson Araújo Pereira, págs.126/7
  • fanzine Metamúsica:
    edição nº2, págs.19, 22 & 23;
    edição nº6, págs.21 (artigo especial "O Movimento Progressivo Alemão", de autoria de Claudio Fonzi) & 47;
    edição nº7, pág.20
    edição nº8, pág.19
  • revista Musical Box nº1, março de 2001, pág.22

Livros sobre o rock progressivo alemão:
"Cosmic Dreams at Play - A guide to German Progressive and Electronic Rock", de Dag Erik Asbjornsen, Borderline Productions, ISBN 1-899855-01-7;
"A Crack In The Cosmic Egg";
"Krautrock-Sampler", de Julian Cope.
Estes livros também estão na seção Biblioteca

 

TEXTO ENCONTRADO EM> sINFOnia Sideral

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