20.6.10

Radiohead - Amnesiac

 

Radiohead

Disco: Amnesiac (2001)

Na década de 90 o rock perdeu força e dividiu atenção com outros estilos para a grande mídia e o efêmero se estabeleceu como parte importante da engrenagem pop.


Quantas Bandas no atual estado de efemeridade do rock conseguem compor discos atemporais e estandartes do seu tempo?


Thom & cia chegaram para esse disco rodeado pela aura mística da genialidade atemporal de Ok Computer (1997) e por ter chocado o mundo da música com o sufocante Kid A (2000).

Amnesiac é um caso clássico de disco que você ama ou
odeia profundamente, ou você se vicia e não larga mais ou raramente você volta a querer passar por essa experiência, um disco no sentido mais puro do termo. Instigante.


Sob a batuta do engenheiro de som Nigel Goldrich, uma pequena orquestra comandada pelo multi-instrumentista Jonny Greenwood e o lendário trompetista jazzy Humphrey Lyttelton, com a influência da música eletrônica experimental de
vanguarda, do jazz clássico de Charles Mingus, Miles Davis e Alice Coltrane evocando os ecos da arte conceitual contemporânea, releituras do Krautrock de bandas lendárias como Can e Faust e inspirações nos artistas da Warp (selo independente de música eletrônica), Amnesiac nos entorpece com nossos próprios sentidos ultras sonoros.
A banda assina um dos mais melancólicos e sombrios discos da sua geração e ao mesmo tempo assim como Kid A (2000) uma das mais discutidas obras que a vanguarda da música produziu nesse inicio de século XXI.

 
Não é um disco fácil. Amnesiac abre em estado de alerta. Baterias eletronicamente enlatada que aos poucos vão se esculpindo entre o baixo e os pequenos sussurros de guitarra e vozes indecifráveis se chocam na eletrônica em espiral de Packt Like Sardines In A Crushed Box. Yorke acusa que nossas vidas estão passando num piscar de olhos e não estamos percebendo. Como barcos navegando para os sonhos mais distantes além da vida, Yorke nos entrega um oceano surrealista em Pyramid Song. Uma balada jazz num piano descompassado onde o soluço oceânico de Yorke joga-se num “rio de olhos negros”. O arrebatador arranjo de cordas entrelaça-se com as vozes sussurrantes e trêmulas de delírios onde massas cinzentas de longínquas camadas de uivos oceânicos nos arremessam na asfixia cyborg de Pulk/Pull Revolving Doors. Portas desafiadoras pelo qual só conhecemos no mais profundo âmago da nossa consciência são adentradas por um Yorke entubado por uma voz mecânica, arte conceitual ou performance conceitual? Aqui a banda vai o mais longe até então na esquizofrenia eletrônica de vanguarda, se espatifa em camadas e camadas numa perturbadora sufocação sintética, ácida não-humana... Então nossa alma é transportada para o deserto íntimo de You And Whose Army? Um Yorke distante canta entorpecido por pesadelos futuristas. A guitarra dispersa de Jonny Greenwood logo é soterrada pelas camadas de ecos Krautrockanos, pianos, baixo e baterias ensurdecem um Yorke arrebatado e ciente de onde quer ir e numa noite gloriosa ele almeja fugir em um cavalo fantasma para dentro si mesmo.
Em I Might Be Wrong. Um timbre nervoso da guitarra de Ed’O Brien rasga o silêncio surgindo um Yorke alucinado percorrendo os túneis criados por Jonny. A guitarra repetida com simetria espacial entrecorta o ambiente urbano e perturbador, enquanto ecos fantasmagóricos o perseguem pelos corredores do seu próprio medo de fracassar em si mesmo. Ja em Knives Out uma sinfonia de guitarras e vilões dialoga dentro dos nossos cinco sentidos. A constante bateria jazz misturam nossas percepções sensoriais enquanto Yorke áspero metaforiza sobre ratos e seres humanos se confundindo no soturno alvorecer dos tempos atuais. Os labirintos dedilhados por Jonny Greenwood são destilados com uma genialidade melódica indivisível.
Chegando na metade do disco, a banda nos apresenta um nova leitura de Morning Bell. A genial bateria metronômica de Phil Selway da versão do disco anterior dá lugar a cordas e violinos e fica uma tarefa árdua saber qual a mais emblemática. Aqui Yorke
está lagrimejante e inconsolável e nessa fragilidade cotidiana de alguma manhã qualquer ele ouve o Dollars And Cents. Explorando densas camadas de jazz com complexas doses de sintéticas vertigens eletrônicas, a banda toda entra cobrindo os espaços. O contrabaixo circular de Colin Greenwood e os pratos constantes da bateria de Phil metaforizam a monotonia cotidiana, enquanto teias de fanstasmagoria eletrônica vão se esculpindo se fundindo com a guitarra de Ed que vem como um trem descarrilando lentamente, enquanto Jonny cobre como um manto congelando os arredores com teclados cheio de nevoeiros.  O ambiente é esquizofrênico e alucinado e Yorke é conduzido a vertiginosa confusão de pensamentos e angustias. A guitarra se espreme pelas bordas da melodia deixando desolado o cenário cheio de rachaduras e vidraçadas. E nisso surge uma guitarra gélida explorando um canto desolador na instrumental Hunting Bers. Alguns timbres graves e um ar de devastação interior no meio de um deserto transcendente permeia para nos arremessar em Like Spinning Plates. Aranhões de vinis giram ao contrário a melodia improvável que vai conduzindo um Yorke impessoal, áspero, escalando sua própria mente como se tivesse explorando o mundo submerso dos sentidos. Ondas vagam por freqüências quase imperceptíveis, Yorke é levado pelas correntezas indomáveis do seu eu e deságua entorpecido para um último suspiro... Baseado num complexo jazz espacial de Life In a Glass House. Com letra de Jonny Greenwood e soterrado pelos trompetes de Humphrey Lyttelton um Yorke melancólico canta pelos arredores de si mesmo. Clarinetes arrastam-se pelo interior do desejo de alcançar-se, o desejo de ir até o fundo num mergulho nas próprias respostas que encontrou pelo caminho, pelo próprio infinito da sua própria infinitude. O piano alienígena de Jonny Greenwood em compassos nebulosos cria o chão para a orquestração penetrar pelos poros da melodia e fundi-la encerrando de forma improvável o disco com camadas de pequenas peças com galáxia sonoras dentro.


No disco mais esquizofrenicamente viciante do Radiohead, temos um sopro curto que às vezes parece insuportável para ouvidos não acostumados a visitar extremidades sonoras profundas. Aqui a banda se desconstrói arremessando-nos em ambientes asfixiantes de nós mesmo, onde a melodia enrosca-se pelos tentáculos das camadas da própria natureza orgânica do ser humano e entre arrebatadores arranjos de cordas e orquestrações, temos a sensação assustadora de sussurros de
oceanos, ventos metálicos vindos da nossa própria mente, horizontes que soluçam, noites longas e rios que cortam nosso interior nos perdendo nas próprias camadas de nossos delírios cotidiano e do nosso eu primordial.

Amnesiac é vanguarda é confuso, belo, áspero, frio, emocional, arrebatador, textualizado e texturizado na própria essência da arte; a de nos enriquecer com sua inesgotável plenitude e nos instigar, incomodar, nos confrontar com nós mesmo e com o mundo.


Saímos desse curto disco, desse pequeno artefato monolítico sugados, arremessados em nós mesmos ou o mais longe de nós mesmos... Isso para quem se propõe a mergulhar no tempestuoso universo existencialmente sonoro de Amnesiac.

Capa

Para ouvidos entorpecidos por: Alice Coltrane, Klaus Schulze, aphex twin

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